domingo, 13 de fevereiro de 2011

Espaço público: lugar de ninguém? [crônica]

            Depois de uma intensa manhã de sábado, quem resistiria ficar em casa em plena tarde ensolarada de fevereiro na Bahia? Dia lindíssimo: sol, calor, brisa, muita gente na rua. A final, é verão!!! Com ele, toda a vontade e disposição de interagir com o meio e, principalmente, com muita coisa que tem nele. É tempo de se dar... Praia na certa. Não é à toa que os ditados rezam: “pé que não anda, não toma topada” e galinha que vive presa no galinheiro, não vira comida de sariguê. Contrariar? Jamais! Asfalto já.
            Chegado o destino, a ansiedade cede lugar ao deleite de todos os sentidos em uma única direção: gozar a vida em nuances... A luz e o calor do sol somados à brisa do mar, a maresia mais gente de todo o tipo, de um lado pro outro, fazem a alma enlouquecer e o corpo gritar as necessidades dele. Delícia... Ócio maravilhoso e revigorante. Stress? Esquecido.  As dores passaram a risos, gargalhadas, charmes, estratégias de apresentação e conquista ou simplesmente o desligamento de muita coisa a favor do encontro de si e da conquista de paz – serão possíveis esses dois últimos em praias agitadíssimas da Cidade da Bahia? A quem jura que sim. Demos o direito à dúvida. – O que vale é realizar o que necessita: desejos em manifestação.
            Até então tudo belezinha... Ops! Como nada é paraíso para sempre, alguma coisa tinha que, no mínimo, lembrar que existe inferno. Algo grotesco dilacerou o sorriso e trouxe a repugnância. Um indivíduo fuma em público, em plena praia lotada. Insiste em compartilhar a má sorte do pulmão dele com os outros. Mais: depois que termina com sua bombinha, cava a areia com o pé, joga o bago de cigarro nele e depois enterra com a maior naturalidade, como se tivesse feito o dever de casa. Ridículo.
         Bastei dar uma caminhada pela areia, ao longo da praia, pra ter a certeza que aquele ser não era o único. Pelo contrário, como ele, muitos (a maioria) compartilham hábitos similares de falta de respeito, consciência, cidadania, altruísmo e até mesmo amor próprio. Uns aqui, outros tanto ali, mais um bocado lá. A ordem parecia ser uma: consumir. E, como todo consumo resulta em resíduos, quem quer ficar com o lixo? Se livrar dele. Nem se dão ao luxo de pensar. Jogam ali mesmo onde estão ou, no máximo, no espaço do outro ali pertinho.
De latinha de cerveja, palito de sorvete, guardanapos usados, embalagens, restos de comida a xixis na areia, nas pedras ou no mar. A praia, lugar de lazer, ironicamente também é a enorme lixeira e latrina. Tudo misturado numa confusão só. O engraçado é que aqueles que jogam sobras de alimentos ou fazem necessidades na praia tentam minorar e até eximir sua culpa e responsabilidade pela ação infratora cometida ao afirmarem descaradamente que comida vai apodrecer, virar adubo, se decompor e mijo não vai poluir nada. A água do mar mata tudo, né? Portanto, nada disso vai agredir a natureza. Engano desgraçado. Talvez não saibam ou simplesmente ignoraram o fato que são eles mesmos genuínos fazendeiros, tropeiros e comerciantes de pragas (ratos, baratas, pombos, vírus, bactérias, fungos), além de mantenedores de pestilências, os quais, em breve, serão os consumidores do azar que patrocinam.
Chega. Vez de retornar. Na rua, no caminho de casa, vi que a falta de hábitos saudáveis não é marca adquirida de gente pobre. Um carrão importado passa em velocidade alta e arremessa uma latinha de cerveja voadora pra fora, ainda cheia! Mais que abuso e arrogância, prepotência, presunção e postura inconseqüente.  No busu, muita gente falando alto, espirando ou tossindo sem o menor cuidado, comendo, bebendo e jogando os restos no chão do ônibus ou pela janela, sem se preocuparem com aqueles que passam ou estão lá em baixo. Ah, não podemos esquecer das cusparadas e catarradas! E carros e transeuntes não são diferentes.
Reside na cabeça de todos, provavelmente, a mesma razão que justifica e impele os hábitos nojentos e antissociais citados: o espaço público é público, não é de ninguém, logo eu posso fazer tudo; tudo que em casa, no lar dos outros ou em local de Senhor e Dama não é correto nem admissível fazer. Babaquice e otarice!!!
O espaço público é público justamente por pertencer a todos. É meu, é seu, é dele, é nosso. É dever de todos zelar por ele. Não é um lugar sem dono nem lei. Não pense que os responsáveis pela ordem e bem-estar são apenas os funcionários do Estado. Chega de ilusão autodestrutiva!
Somos nós todos os proprietários e os agentes de manutenção; igualmente, operadores da lei e da ordem do espaço que está além do privado, o qual não está longe, nem é estranho, nem impessoal. Ele é, sim, a extensão de nosso lar.
As coisas só vão melhorar quando cada um ter a consciência que, assim como em casa  não se caga, não se mija, nem se come, nem se joga os resíduos a migué, em qualquer canto, na rua, no parque, na praia, na calçada, também não espaços apropriados para isso! Quando todos invocarem a responsabilidade pra si e esboçarem atos renovadores e saudáveis, a sociedade começará a lutar de fato contra muitos de suas inconveniências. Vamos lá! Vamos descascar esse abacaxi , chupar essa melancia e comer essa jaca...


Diógenes Pereira. Salvador-Ba, 13/02/2004.