domingo, 18 de setembro de 2011

ENTRE CÃES [CRÔNICA]


Já passavam das 23 horas. Estava preocupado. Tempo ia fácil, e condução não chegava. Há pouco, muita gente; momentos depois, apenas eu e mais alguns. Madrugada já começava a dar seus sinais. Ansiedade já me consumia faminta mais uma vez!
O jeito foi me resignar. Esperar passivo por algo que desconfio: a sorte. – Eu consigo? – Pra me distrair, comecei a varrer com os sentidos toda volta. Nada de novo – por que justamente a busca pelo novo? –; apenas o trivial que passa despercebido. Péra! Que passava... Parei logo na coisa mais indigna para minha ambição no momento. E surpresas fantásticas emergiram do inesperadamente singelo.
            Estavam num movimentado entroncamento de vias. Cães de rua. Puros viralatas. Andavam livres, super à vontade com tanta gente e bastante carro em todas as direções. Provavelmente nascidos ali, já estavam acostumados com toda agitação, estresse e confusão do lugar. Eles faziam parte da paisagem; eram a imagem viva! Definitivamente! E, entre eles, dois, em especial, me roubaram a carisma.
            Uma fêmea e outro que não consegui identificar o sexo. Aparentemente saudáveis e cheios de vigor, perambulavam menino e garota prum lado e pro outro. Vaidosos e cheios de si, saltavam, se mordiam, se cheiravam, cheiravam, se lambiam, se divertiam, se reconheciam, reconheciam, desbravavam, guardavam o que sabiam ser seu, paravam e se coçavam; viviam... Faziam tudo isso ignorando todo o mundo estressado e confuso dos humanos. Aquilo ali para eles era a natureza, a selva, a outra floresta, seu habitat. Havia de tudo. Só não tinham monotonia nem chatice. Tudo era alegrias em novidades.
Melhor que muita gente, os viralatas cruzavam as vias no momento certo. Sabiam os limites das ruas. Tinham fé que a calçada e o canteiro central lhes livrariam da morte matada por atropelamento. Paravam na hora certa. Esperavam pacientes os automóveis passarem. E, só depois da via livre, atravessavam em segurança, mas sempre correndo. Adaptados. Dominavam o pedaço. Imperadores!
Fantasia?  Delírio? Romantismo? Não mesmo. Realidade! Fato visto, apalpado e aprovado!
Que novela agraciava os olhos da alma e preenchiam as mãos do espírito... Vi a Felicidade bem de pertinho. Ali. A poucos metros. Simples. Bem no miolo daquilo que jamais esperaríamos encontrar a tão aspirada Felicidade. Era pobreza e miséria sem meias palavras. Mesmo assim, a Paz estava com os cachorros. Quem poderia imaginar, né?!
O corpo foi relaxando, se animando com o prazer alheio, que tinha sido presenteado a mim numa surpresa linda. Portanto, eu já fazia parte daquela festa. Conectados. Uma coisa só. Não tinha como evitar. Apenas sorria como um tolo e ingênuo. Um puro de coração.
Era lindo de assistir! Inteligência. Companheirismo. Amizade. Amor. Era sincero. Muito mesmo! E foi na labuta de um grupo de cães de rua que encontrei respostas para muitas das lamentações do humano (demasiadamente ou não).
Nunca desejei tanto a pobreza e a simplicidade. Aquilo era o verdadeiro retrato da plenitude. Tão pouco, quase nada, e tudo ao mesmo tempo. Realização. Contradição matemática na qual a subtração resultava na soma! Bendita seja! Não existiam dúvidas que quanto mais ignorante e miserável, mais feliz e em paz consigo e com o mundo se está e se é.
Preocupações zero. Eram os cães. Poderia ser eu também – por que não você, todos nós? – para isso, basta ousar.  Apesar de o passo para transgredir nos parecer difícil, doloroso, inseguro, incerto, após a iniciativa, eu e você já seríamos outros com certeza. E não só sorrisos seriam nossa cara; os risos seriam nossa personalidade!
Quem dera se do lado de cá os humanos fossem como cães do lado de lá; pelo menos como esses viralatas. E ainda chamamos eles de animais; animais irracionais. Hora de rever conceitos, hem!
A Natureza é sábia e a Criação é fantástica! Parabéns.

Dio. Ssa-ba, 17.09/2011.

sábado, 17 de setembro de 2011

OS TRINTA [POEMA EM PROSA]


Os trinta já se aproximam... Parece pouco para uma vida; apenas ilusão de juventude. O que fiz, o que tenho, o que conquistei, o que vou fazer? Essas são autoindagações que são o cafédamanhã, almoço e janta. Contudo, algo é mais significante. E é justamente o tempo que reclama. Coisas que há pouco não se queria. Um sonho. O sonho! Vontades e desejos... Entre as viravoltas da rotina, não tem como ignorar. A mão corre solitária. O corpo saudável já está em estado puta! E mente diz não. É sacanagem pura aceitar a verdade que existem bilhões, e apenas você para provar de sua intimidade. O momento é de doação, mas a quem? Não vem, nunca chega. Até que vem... Em devaneios da imaginação. Irrealidade é a realidade quando os olhos se fecham, o corpo esquenta e o gozo cala tudo. A procura aumenta. A resposta é a mesma. Coração lamenta. E noite é solteira mais uma vez. Apenas um beijo, apenas uma aconchego, apenas um toque, apenas um olhar, apenas um oi. Carência é a força. E sardinha passa a salmão.  Nesta hora, o revólver até aponta para a presa errada, mas não abate nada. Caçador volta pra casa e faz da mão sua amiga. Quem sabe amanhã não será de fato outro dia... E assim esperança não cansa de revezar com resignação. Amigos, e solidão. Certeza: um dia a morte vem.

Dio. Ssa-ba, 17/09/2011.

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Sobre as folhas de bananeira [texto abstrato]


De fato, a vida é efêmera. Cada instante não tem par. Quando esse é alcançado pela sensibilidade, algo extraordinário acontece. O humano único e cindidamente forjado cede lugar ao humano conectado a uma única coisa só. Confusão de sensações numa infalível certeza espantosamente consciente de si e de outras tantas coisas. É vida! E, quanto vida, existe o belo em absolutamente tudo. Não ocorre exceção.
A noite é agradável. Fim de inverno nas terras deliciosamente aquecidas daquilo que se poetiza Bahia. O ar corre o corpo por todo, dando um banho relaxante com seu frescor. Se foram as armas. Estou sendo preparado em preparando. O melhor estar por vir. O que em volta há pouco era apenas componentes de paisagem, ganha liberdade e vez. Tudo é senhor de si no interior fantástico e intricadamente interligado. A criação!
O céu ganha veste azulvioleta. Poucas nuvens e ausência de estrelas. A Lua vomita sua soberba e arrogância. Gananciosa e dominadora, mergulhada em vaidade, ilumina o espaço. Ora nuvens passam, encobrem ela totalmente; ora, parcialmente. Sensualidade. Jogo emocionante e sedutor. Por fim, vence a força e a beleza. Lua cheia. Personalidade.
Luz cai sobre seres. Fantasia. Romance. Os limites das criaturas são premiados com outras qualidades. E, sobre as folhas de bananeiras, encantadas pelos raios do Sol noturno, constato que não existe gratuidade. O prazer faz parte, sim, da existência.
A noite mostra seu poderio. Beleza chega com pujança, guarnecida daquilo que mais traz medo. O desconhecido. Desconhecido incrustado naquilo que não se pode ver nem reconhecer. Escuridão.
 O preto ganha cor. Lençol de luz prateada debilmente bronzeia tudo que aqui em baixo está sujeito aos caprichos da incompreendida. Gravidade. Prisão é motivo de sorrisos. Vozes e movimentos vários saiam de todos os lados. Criaturas noturnas faziam seu carnaval. E medo casa com coragem. A festa segue seu embalo.
Alma relaxa e espírito se parte em muitos pedaços... Quanto mais, tanto traz. A hora é do gozo. Gozando, vou além, percorro outras distâncias e mais me aproximo daquilo que menos conheço e mais me maltrato sob os murros da incompreensão burra e covarde. O interior indecifrável de imagem no espelho.
Eu. Você. Ele. Nós. Todos. Tudo. O riso se mistura ao choro. Como é gostoso estar vivo e ter certeza que a morte é mais que certa; está aqui, aí, ali, em toda parte.
Acabei de ver um beijaflordanoite...

Dio. Ssa, 11/set/2011.