sexta-feira, 11 de maio de 2012

parece que é geral [poema]

tanta gente 
várias pessoas 
e muita solidão
parece que é geral
só se escuta vozes
que apenas repetem o mesmo
o amor que tanto se anseia
e nunca chega 


o que está errado
como existe vontade em todos os cantos
e mesmo assim sobram risos constrangedores
de corpos ainda quentes
que sempre procuram e jamais encontram


e para o enrijecimento da tristeza 
a resposta vem certa no silêncio da madrugada
aquela que é fria até em noites de outono na face oeste da baía

Por Diógenes Pereira. Ssa-Ba, 11/05/2012

quarta-feira, 2 de maio de 2012

Americanidade e Americanização: Dialogismo entre a Narrativa Fílmica de Just Like the Movies e o Discurso Acadêmico de Americanidade na Mídia [TEXTO ACADÊMICO: ENSAIO]


Universidade Federal da Bahia
Instituto de Letras
Programa de Pós-Graduação em Literatura e Cultura (Mestrado)
Expressões Contemporâneas da Americanidade
Docente: Sérgio Cerqueda
Semestre: 2012.1







Americanidade e Americanização:
Dialogismo entre a Narrativa Fílmica de Just Like the Movies e o Discurso Acadêmico de Americanidade na Mídia






Por Diógenes Pereira





Salvador, 30 de abril de 2012




1.    Introdução

O presente ensaio se predispõe a discorrer acerca da ideia de americanidade e da de americanização – sem pretender esgotar os temas e/ou suscitar todas as nuances possíveis de observação, análise e crítica desses –; antes, a empresa aqui vislumbrada se foca no devassamento da narrativa fílmica de Just Like the Movies (escrito, editado e dirigido por Michal Kosakowski) em diálogo com o discurso crítico-acadêmico do texto de Ana Rosa Neves Ramos, Americanidade na Mídia.

2.    Americanidade

Mesmo com pesquisadores competentes e diligentes debruçados sobre a imagem e imagens manifestadas (ou subtendidas, ou fossilizadas, ou ainda ignoradas, desconhecidas) de americanidade em sua ampla complexidade, é tarefa árdua pensar, analisar e discutir o seu conceito e sua definição, assim como sua presença na estrutura social das nações americanas e no imaginário dos sujeitos que as compõem.
Com vastas extensões des-ocupadas (genocídio de autóctones) em favor do re-povoamento forçoso (escravização de negros africanos) e/ou voluntário (europeus e posteriormente asiáticos), ou da subjugação e da aculturação de povos aborígenes indígenas, a América é construída e reconstruída como outra rede de coletividade humana por meio do complexo e intricado processo de mestiçagem, hibridização e/ou ajuntamento de etnias numa estrutura hierarquicamente rígida, a qual coloca os descendentes dos brancos (sobretudo dos herdeiros dos líderes coloniais, como ingleses, por exemplo) no stratus mais alto da sociedade multicultural ou mestiça. Violência. O que, inevitavelmente, suscitam a insatisfação, tensão, o mal-estar e o conflito em meio às relações de forças no interior da disputa pelo poder, localizando e determinando quem é quem ou quem é o que na sociedade.
Possuindo realidades socioculturais, político-econômicas e históricas diversas, o continente americano se apresenta como uma América multifacetada numa divisão tríade: América Anglo-Saxã – EUA e o Canadá Inglês –, América Latina (do sul) – México, Caribe, América Central e do Sul – e América Francófona (a latina do norte) – Quebéc. – Divisão que, por sua vez, já se emerge problemática por juntar elementos dissonantes numa mesma categoria, citando: O Haiti de base crioula francesa, a Jamaica de base crioula inglesa e o Suriname de língua neerlandesa no universo da América latina, por exemplo.
Não é gratuito, então, inferir que é, no mínimo, delicada a identificação, localização e devassamento da americanidade como fenômeno transnacional para toda a América – isso se a americanidade existe mesmo como tal; antes, há a possibilidade de americanidades para uma América heterogênea e plural. A discussão sobre a existência de americanidades em substituição da americanidade (ou o inverso), contudo, será posta de lado aqui. É vez de pensar na possibilidade real de uma americanidade multifacetada (uma americanidade diferenciada, em nuance) em vista que dados fenomenais históricos a viabilizam, o que há de comum para todas as nações do continente: o fato de todos terem surgidos como Estados-nação a partir do processo colonial, da imigração voluntária e/ou forçosa e do extermínio e/ou subjugação e aculturamento de povos autóctones; mais as particularidades e singularidades espaço-temporais de cada coletividade das Américas.
A partir da leitura de Neves Ramos, é possível trazer, no mínimo, três possíveis perspectivas para a americanidade: a estadunidense, a quebequense e a brasileira.
A americanidade estadunidense se repousaria na própria apropriação do ser americano por parte dos estadunidenses em detrimento das outras coletividades do continente. Mais: americanidade estadunidense nega o compartilhamento de traços identitários e de pertença em face do que é ser americano com outras nações e coletividades do continente americano; antes, ela seria o olhar para si a partir da crença na ideia da nação superior justamente pela sua excepcionalidade, sua pujança e poderio. Assim, os EUA, imersos em sua arrogância, presunção, convencimento e vaidade, se autoprojetaram como A América, o sonho de prosperidade e do sucesso calcados no código protestante e na ideologia marcante da liberdade, liberalismo, livre-iniciativa e individualismo, ou seja, independentes e superiores!
A americanidade quebequense é marcada pela tensão e pelo mal-estar constantes entre se sentir abandonado por e, igualmente, presa a uma França perdida no tempo e, ao mesmo tempo, presente na língua e nos traços culturais mais marcantes somados à presença e à dominação (ou hoje em dia o poder de voz política, econômica e ideológica duma maioria) do elemento anglófono, com o qual compartilha o status de canadense. Quebec, como a América Latina do Norte, ademais, não teria como projeto “inventariar as múltiplas maneiras nacionais de estar na América e sim, aquele de conceber, para alem das diferenças, um pertencimento ‘continental’” (Neves Ramos).
E a americanidade brasileira, mais que compartilhar com Quebec a “vontade” de pertencimento ao continente; uma vontade à brasileira, libertina, egoísta (e até inconsciente?) de pertencimento continental, tecendo laços de contato e união através do que há de comum entre os latinos da América, o próprio passado histórico de colonização de matrizes ibéricas, as quais foram atravessadas pela mestiçagem e pela hibridização e ainda pelo extermínio, subjugação, aculturamento e marginalização de povos indígenas, se volta para si mesmo em ampla vaidade e sentimento de distinção (e até superioridades em relação ao resto da América Latina, o que o aproxima da americanidade estadunidense), projetando sua americanidade em outra excepcionalidade: o fato de o Brasil ser um grande em questões econômicas, culturais, políticas, históricas, geográficas, com língua singular e processos históricos (sobretudo de emancipação política da metrópole e o caminho percorridos pelas décadas seguintes de seu poder central – o Império) distintos. Logo, há o desejo contrário, aquele que pretende não se juntar a uma latinidade americana como coletividade, pois isso tornaria o grande num pequeno, mais um elemento constituinte de um todo; pelo contrário, a latinidade e americanidade do Brasil se manifestariam pelos traços que fizeram e fazem do Brasil o Brasil.
Por fim, a narrativa fílmica de Just Like the Movies dialogaria com a Americanidade na Mídia por trazer a americanidade estadunidense representada pelas imagens de modernidade, prosperidade e progresso da nação que se autodenomina americana. Porém, uma “América” ameaçada pelo iminente ameaça da tragédia e da catástrofe. Agora, o mais curioso do filme é, justamente, sua predisposição em exibir essa americanidade estadunidense em confusão com o fenômeno da americanização. Ideia que será mais bem desenvolvida na próxima seção.

3.    Americanização

Na narrativa fílmica de Just Like de Movies, a colagem das cenas aponta para uma direção: o que foi fantasiado por Hollywood se tornou realidade. Não é por menos que as imagens tem destaque, trazendo a narrativa sob sua tutela. Logo, há  toda uma metalinguagem (metacrítica, metafílmica, metanarrativa) nela que suscita a discussão da espetacularização da catástrofe e, com ela, os fenômenos da americanidade e da americanização (em entrelace). E isso é permitido a partir da própria composição do filme, o recorte e a colagem de cenas de outros filmes unidos pela dramatização auditiva em uma sequência de imagens dinâmicas que fantasiavam a desgraça estadunidense, prenunciando e remetendo o espectador ao atentado de 11 de setembro.
O dialogismo entre as cenas de distintos filmes apocalípticos sobre os EUA que compõem o próprio drama narrativo de Just Like the Movies se comunica diretamente com o que Neves Ramos destaca em seu texto: o processo de americanização em imbricação com o se fazer da americanidade diferenciada dos EUA, de Quebec e do Brasil.
Por sua vez, os Estados Unidos da América – uma nação sem nome, como nos lembra Caetano Veloso – é a potência político-militar e econômico-cultural da modernidade, que lança seus tentáculos sobre todo o mundo ocidental, ocidentalizado, semiocidentalizado e aliciado pelo Ocidente. E uma das formas de os EUA lançarem seu poderio, sua dominação e sua influência é pela subjugação das culturas alheias às marcas de sua cultura. Eis aí o fenômeno da americanização.
O não ser americano, mas, sim, o estar americano (estadunidense) é o solo no qual se sustenta a americanização, o que Neves Ramos nos destaca diligentemente:

o certo é que, nesses tempos de globalização, a cultura norte-americana, presente no mundo do cinema, da música pop, das televisões a cabo, nos quais acrescento a internet, exerce uma atração cada vez mais forte entre as pessoas, criando uma similaridade de valores para os jovens [e também para os não jovens que estão igualmente inseridos no processo global de produção e consumo] – acréscimo em itálico meu.

E, mais adiante, Neves Ramos salienta que “da mesma maneira, na opinião de Proulx, a expressão da ‘americanidade’ mobiliza um sistema de conotação cobrindo um estilo, maneiras de fazer, uma escolha de ritmos nas produções, etc., que se atribui, certa ou erradamente, aos Estados Unidos”. Inevitavelmente, há certa interferência da americanização sobre a americanidade diferenciada (seja ela em soma ou subtração, ou ainda em rasura), sobretudo do Quebec e do Brasil, alvos da análise de Neves Ramos.
            Não é por menos que a citação de Yvan Lamonde por Neves Ramos é oportuna para a presente discussão somada a sua inferência, respectivamente:

a americanização do Québec, conceito de resistência ou de recusa, é esse processo de aculturação através do qual a cultura estadunidense influencia e domina a cultura, tanto canadense quanto quebequense – e mundial –, enquanto que a americanidade, que engloba tanto a América Latina quanto a América saxônica, é um conceito de abertura e de mouvance, que traduz a sua filiação ao continente Americano.
[E] essa vontade de fazer do conceito de americanidade uma busca de similitudes, bem mais do que uma compreensão dos percursos diferenciados conduz a análise a não distinguir americanidade e americanização – se é que tal seja possível – e a confundir, muitas vezes, os dois processos com a modernização.

            Neves Ramos nos explica como se manifesta a americanização, por meio do quê:

qualquer pessoa que tenha lido um pouco sobre a história da televisão e, antes dela, a história do cinema, associa americanização à dominação americana particularmente ao cinema. (...) A americanização é também, simplesmente, a constatação atual de que os americanos dominam ostensivamente o mercado internacional de audiovisual e que trata-se (SIC), para eles, de um dos mais importantes setores de exportação (o segundo, perdendo apenas para o setor da aeronáutica).


            Focando na produção artística dos EUA e de Quebec, Neves Ramos, primeiramente, distingue o fazer televisão comum aos estadunidenses em face do foco da TV pública, a não comercial, aquela que pretende informar, educar e entreter, a fim de dar suporte ao seu raciocínio acerca do processo de americanização enquanto imbricação para com a americanidade:

A reflexão sobre a americanização deve então levar em consideração o que se faz em nosso(s) país(es). O seu postulado é que a americanização da televisão deve ser concebida de forma mais genérica que a simples análise das consequências dos conteúdos das emissões americanas sobre as culturas nacionais. (...) Quando duas concepções de televisão se opunham: uma de serviço público (...) e outra comercial. (...) [Portanto,] não nos esqueçamos que para os americanos fazer televisão significa fazer um negócio como outro qualquer. [Mais:] a americanização da televisão poderia ser vista, ainda, como um processo que nega gradualmente, para a televisão, a possibilidade de ela desempenhar uma função outra do que aquela que lhe dita o Mercado e as regras comerciais.

Em seguida, a autora de Americanidade na Mídia compara o perfil de dois apresentadores, um dos EUA e outro do Canadá, Johnny Carson e Peter Gzowski, respectivamente, apontando suas semelhanças e distinções a fim de contrabalançar as relações de força entre americanidade e americanização:

e foi exatamente essa “personalidade cultivada”, que permitiu a ambos [Carson e Gzowski] esse forte relacionamento de intimidade com a sua audiência. Tal grau de intimidade implica, necessariamente em responsabilidade porque, para além de celebridades, cada um deles é uma figura nacional. Eles são vistos pelos outros como “representantes da alma do seu país”, com uma responsabilidade mais pesada aqui, no Canadá, do que lá, nos EUA. (...) Um é anti-intelectual, antes de tudo um comediante, e em seguida entrevistador[Carson]; o outro [Gzowski] é cerebral, antes de tudo, um escritor, e em seguida um entrevistador. (...) Um é conhecido por todo mundo no Canadá; o outro não é conhecido por quase ninguém nos EUA. Carson e Gzowski, Gzowski e Carson “vive la différence”.

            Ato contínuo, a atenção de Americanidade na Mídia se volta para a produção televisiva no Brasil, tomando como o exemplo Jô Soares como apresentador, comediante e entrevistador, aquele que, segundo a perspectiva de Neves Ramos, seria um híbrido de Carson e Gzowski fortemente americanizado:

“Jô Soares”, talvez nos forneça dicas para identificação de como se processa a nossa “americanidade” na mídia. (...) Modelo pioneiro no Brasil, o “Jô Onze e Meia” (horário de Carson/formato de Gzowski), entrou para a história da televisão brasileira. De segunda a sexta, durante os onze anos em que o programa entrou no ar, Jô Soares (o nome artístico completo aqui indicando tanto o que deveria ser a imagem do “entrevistador” quanto o lado mercadológico), Muniz Sodré explica que a verdadeira migração, quanto ao que acontece na tevê brasileira ultimamente, não é de público, o de classe alta migrando para as tevês a cabo, e sim do grotesco, para praticamente todos os tipos de programação de tevê aberta, inclusive aqueles antes reputados como “de qualidade”. (...) [Portanto,] num programa de entrevistas como o de Jô Soares, tido como de “alto nível”, predomina o riso cruel. (...) Jô Soares [logo] é mais imagem do que símbolo. Imagem de cultura, de bom gosto e do bon vivant que a sua charmosa, e sempre elegante, imagem transparece, imagem de um certo Brasil, de um Brasil. 

Por fim, Neves Ramos conclui sobre quem seria o maior exemplo de americanização no talk-show no Brasil, Silvio Santos:

(...) Acredito, assim, que a imagem que mais falaria da “nossa americanidade” na tevê, seria a de Silvio Santos, que não é um talk show e sim um apresentador de televisão e proprietário de um “império”, no setor da comunicação.(...) a sua imagem seria aquela que melhor incorpora os paradigmas de uma “americanidade brasileira”, na mídia.


4.    Conclusão


A partir da breve análise de Just Like de Movies juntamente com a da Americanidade na Mídia, foi possível discutir aqui os fenômenos da americanidade e da americanização, ambos em plena e mútua interferência; o que possibilitou entender melhor como essas se constroem e se manifestam no imaginário de nações americanas com suas coletividades, sobretudo dos Estados Unidos, do Canadá Quebequense e do Brasil, a partir do devassamento sucinto e direcionado do campo do cinema e da televisão.

5.    Referências


Andrès, Bernard. Que latino-americanidade para o Quebec e o Brasil?

Bahia, Márcio. Estratégias identitárias no continente americano: “americanidad’, “americanité”, “americanidade” e a ausência de “americanity”.

Bernd, Zilá. Identidades compositórias: escrituras híbridas. UFRGS.

_________. Americanização e americanidade. UFRGS/CNPQ.

Cairo, Luiz Roberto. Literatura brasileira, literatura latino-americana? UNESP/CNPQ.

Kosakowski, Michal. Just Like the Movies (escrito, editado e dirigido por).
Oliveira, Lúcia lippi. Iberismo e Americanismo – um livro em questão. Capítulo 11. In: Americanos: representações identidade nacional no Brasil e nos EUA. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2000.

Ramos, Ana Rosa Neves. Americanidade na Mídia.