sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Simples assim? Não mesmo!

        Muitos dizem (ou diziam - inclusive eu) que todas as coisas da vida são simples, e que somos nós aqueles que as complicam. Hoje, literalmente hoje, eu discordo.
        Paremos, pensamos:  o que é a vida senão nós (eu, você, os outros e todas as coisas)? Sim, somos a Vida, a própria Vida! A Vida existe em cada um de nós, e juntos compomos um mosaico de Vidas, que, no final, forma apenas uma única imagem: a Vida, a Existência como um todo, um aglomerado em constante, insatisfeita e interminável intercomunicação e interdependência.
     Nós não somos pacientes; somos sempre agentes dos fenômenos nos quais nos envolvemos. Somos sempre vítimas e algozes em todas as circunstâncias. (Não nos esqueçamos nunca: só há um EU porque há um outro que não sou EU.)
       Não somos nós que dificultamos as coisas; são as coisas nas quais nos fazemos ser em estado transitório - pois é a vida, em si, efêmera - o resultado de como, quando, onde, quanto, com quem ou o quê agimos de acordo com nossas vontades, desejos, conveniências, medos, frustrações, limitações, mesquinharias e egoísmo. Inevitavelmente, onde há mais de um, com certeza, existem divergências, ocorrem atritos, tensões.
     Chego agora ao amor. Que sentimento mais narcísico que o Amor (que praticamos)! Quando amamos, amamos nossos sonhos; e nossos sonhos não são nossos de verdade. Eles são meus, são seus, são deles, ou seja, os sonhos é de cada um. Sempre será único e pertencente a uma pessoa apenas. Somos nós que fantasiamos, deliramos e passamos a acreditar que há como compartilhá-los. Olha aí a ilusão voluntária! Procuramos alguém com quem possamos nutrir a vontade da ilusão de unir a diferença de dois no comum de um (o casal). É, justamente, aí que complicamos tudo. É nessa atitude simplória, insana e mal-elaborada de juntar dois em um que forjamos o maior dos erros: ignorar que as diferenças não apenas existem, elas são essenciais e indissociáveis para a concepção de um EU!
     O EU, sufocado sob a ditadura de um nós, reclama, sempre, seu espaço, seu tempo, sua vez. Note aí as brigas. E quanto mais amamos, mais projetamos o Meu EU sobre o EU do outro. Erro fatal! Nunca o outro será o EU que não é de sua natureza. E por que tentamos, então, desse modo irracional e destrutivo? Porque somos egoístas demais para notar que existe um OUTRO.
      Hoje, depois de sentir meu amor egoísta, de devassar minhas vontades, percebi que negligencio o EU que há no OUTRO. Solução? Sim, existe. Acima de tudo, respeito. Todos merecem mais que respirar.  Cada EU precisa ser EU. E para sê-lo, tende ocorrer tolerância, paciência, boa vontade, confiança e, sobretudo, doação.
      Sim, não dá para se viver sozinho. Contudo, nós fazemos tudo ao contrário e acabamos solitários justamente porque não nos doamos (ou não o fazemos suficientemente).
     É muito fácil apontar o OUTRO como o responsável por todos os erros. Fazemos muito isso; é cômodo; é injusto! Às vezes, conseguimos tomar para si uma ou outra responsabilidade (raramente, além disso), mas personificar e botar para girar a ideia (em ações constantes) de que precisamos, acima de tudo, praticar, incansavelmente, o exercício infindável da descoberta do EU do OUTRO no OUTRO, e não em nosso EU. O Eu do OUTRO sempre será o do outro. Respeitemos isso. O EU não suporta uma invasão. Então, convidamos o EU do OUTRO para que entre e compartilhe de suas fantasias com as minhas, as suas, as dele. Eis aí o Amor simples, sincero: amar o EU do OUTRO como sendo do OUTRO, e não uma projeção frustrada de nosso EU.
     Amar, é se surpreender, sem se assustar, com a diferença do OUTRO, aceitando-o como está, tolerando-o e agregando-o ao nossos sonhos. Desse modo, sim, os dois sobrevivem em um; um UM que nunca deixou de ser dois: os sonhos cruzados, entrelaçados, em contato, com cumplicidade, mas nunca misturados e confundidos.
      Sob árduo e interminável exercício de doação, é que vamos nos permitir ao que tanto a nossa natureza nos exige: amar, amar com a presença difícil do OUTRO; sim, difícil, mas nunca impossível.
       Eu amo. Amo como nunca amei e sei o que é vivenciar a vontade de dois EUs distintos num suposto único sonho. Por isso, decidi pelo caminho certo: que o EU do OUTRO, que eu amo, seja o que ele é: o EU do OUTRO, e não uma projeção cansada, desgastada de meu EU. Que haja trocas, doações, cumplicidades, mas que nos mantenhamos cada um com seu EU.

Dió, SSA-BA, 06/12/2013