No início, mas bem no comecinho mesmo, só existiam criaturinhas extraordinariamente minúsculas habitando todo o oceano vasto, profundo e hostil. Elas, cheias de energia, não paravam quietas. E cada vez mais se multiplicavam incessantemente em cópias... Todas praticamente iguais e perfeitas em plena harmonia e paz. Quase todas!
Entre elas, se destacavam apenas duas: Itaparica e Itapuã, que possuíam beleza incomum. Difícil era achar quem não se rendia a tanta graciosidade! Contudo, a dupla não se conteve mediante tanto sucesso e se inflou na sua própria vaidade. Arrogância, Soberba, Indiferença domaram o seu ser por completo. Em pouco tempo, elas passaram a se isolar das demais, porque tinham a certeza ignorante de serem melhores e superiores a qualquer uma que fosse. E isso as conduzia a práticas detestáveis: zombavam e desdenhavam das outras criaturas, as humilhando escrachadamente.
O clima desagradável ficou insuportável. Irritadas, as demais criaturinhas tomaram uma atitude radical: isolar por completo Itaparica e Itapuã, que passaram a viver em exílio. Consequência: nasce o Rancor, o Ódio e a vontade desenfreada de Vingança.
Enfurecidas, Itaparica e Itapuã planejam um plano mesquinho e vil. Já que aquelas sem-noção não desejam mais nossa presença, vamos dar a elas o que elas merecem! O mundo será só nosso. Faremos dele um lugar onde só tenham criaturas como nós. A beleza vai reinar, e elas desaparecer!
De forma exageradamente humilde, Itaparica e Itapuã voltaram para as outras criaturinhas. Pediram desculpas. Clamaram para serem perdoadas e aceitas outra vez. E como prova de seu sincero arrependimento, convidaram todas para irem a um lugar lindo, novo e desconhecido, onde estaria uma grande e maravilhosa surpresa. Todo mundo acreditou e, ingenuamente, foram felizes, transbordando de carinho, amor e expectativas...
Itaparica e Itapuã, pediram que todas fossem na frente, porque precisam resolver algumas coisinhas antes para que a surpresa ficasse realmente fantástica. Assim que todas foram para grande fossa, onde havia um vulcão faminto, do alto, Itaparica e Itapuã empurraram uma gigantesca pedra que caiu sobre todas as criaturinhas que estavam lá em baixo. Não houve sequer uma sobrevivente. Todas morreram engolidas pelo vulcão.
Finalmente sós, Itaparica e Itapuã deram continuidade ao plano. Começaram a se reproduzir infinitamente. Entretanto, um dia elas desfizeram a união. Uma achava que era mais bela e melhor que a outra. Pararam de se reproduzir em reciprocidade. Passaram a se automultiplicar. Esse foi o grande erro. Cada vez que faziam cópia de si, a cópia não era perfeita. Imperfeições foram surgindo nos descendentes. As novas criaturinhas que nasciam eram frágeis, possuíam características cada vez mais estranhas e diferentes das de Itaparica e Itapuã. Até que quando surgiam, eram belas e formosas, mas, à medida que o tempo passava, elas iam se enfraquecendo, perdendo beleza, envelheciam e morriam murchas.
Sem saber, Itaparica e Itapuã introduziram a Velhice, a Doença e a Morte até então inexistentes no mundo. Esse foi o saldo que tiveram por desejar perpetuar um padrão de beleza e existência, ignorando a permuta saudável e necessária entre dois indivíduos.
Desde a época de Itaparica e Itapuã até hoje, todo ser vivo nasce belo, cresce forte e cheio de energia, mas o tempo vai lhe roubando a vida, trazendo doenças, envelhecendo e, por fim, a morte.
Itaparica e Itapuã só existem em nós enquanto há juventude! Depois disso, só nos resta usufruir as consequências de uma grande burrice e maldade inicial, ocorridas em tempos imemoráveis...