domingo, 29 de maio de 2011

Ai se pudesse... [crônica]


Mal começa o primeiro dia útil, e a mente já traz o alerta: Muita coisa para ser feita! Sem demora, recorro à agenda improvisada, um pedaço de papel no qual anoto tudo que deverei, em tese, fazer durante cada dia de toda semana – isso se conseguir, né?
Pego o papel com certa indiferença e aguda ojeriza. Olho, penso, paro, revejo, analiso, e não sei por onde começar.  É tanta coisa que mente fica confusa. Ainda não consegui me recuperar do fim de semana ligeiro. Lembranças são vivas. Saudades e gostinho de quero muito mais...  Inevitável, o desejo ao ócio é latejante. Fantasia emerge efervescente. Sonhos delirantes tomam a cena. Ai por que não nasci rico, ou não ganho na Megasena, ou por que não me aparece um Amor muito bilionário, ou não invento algo porradão que me dê logo muito dinheiro? Por que trabalhar, Diabo? Quem inventou essa que o trabalho dignifica a pessoa? Essa vida é o oh!
Resultado, não me adapto, de jeito algum, à ideia de que hoje está prestes a começar outra semana de mais um mês de um ano que está voando. Detalhe, eu não fiz nada ainda! Desespero! Não! Indignado, continuo a me questionar: Por que as coisas têm que ser assim? Por que tudo não é mais fácil? Por que lazer é como sal na feijoada? E logo Realidade esfrega na cara: obrigações, deveres, responsabilidades.  Se quer luxo na vida, deve suar para desfrutar! Contas estão aí para serem pagas; e planos, metas, objetivo e viagens estão aguardando o bambá que sustentará o orçamento de cada mês. Resignação mostra a ponta do nariz.
Ai Deus! Muita coisa de uma vez só para uma pobre alma que só deseja praia, praia e mais praia... Qual o mal em querer ser Boemia em pessoa? Por que dinheiro não dá como mato de beira de estrada? Ou simpatia não garante o pão-e-circo? Mas não... Muita cobrança. Tudo em tempo contadíssimo, gritando urgência e perfeição. É pra ontem, tem que ser o melhor do ótimo! Chega! Assim, não há peão que aguente! Adoeço fácil de trabalhotide crônica terminal. O corpo amolece, o sorriso se desfaz e os olhos fitam o ar moribundos. A inércia me toma. E paraliso toda atividade mental e física que lembre trabalho! Zumbi.
Não demora e logo bate um repentino desespero: Meu Deus, preciso acordar para vida! Já tô quase na casa dos trintas e ainda moro com mãeinha! Cadê meu carro e minha tão sonhada liberdade em MEU LAR? E as viagens para Europa, Caribe, Austrália, O mundo? Não posso ser fraco, não devo desistir. Coragem, Criatura! Força, Homem! Idas e vindas... Nessa onda que fica o espírito: ora consciência forçada de querer sem-querer trabalhar, ora a insanidade de jogar tudo pra cima e ver no que vai dar. Merda!
A cabeça não dá sinais de que quer trabalhar, mesmo sabendo que Juiz não se faz Senhor por lei nem decreto da Boa vontade, mas, sim, por meio de muito trabalho e dor de cuca! Quero eu morrer com a pedra na mão de quem vive quebrando coco? Não mesmo! Faço mais um esforço, outro, outros. Nada! A coragem já se despediu faz tempo. A vontade é de não fazer nada e mandar tudo se lenhar. Simples assim: vá se... Pra quê tanto trabalho? Por que tanta obrigação? Aí o relógio arrota que já são horas. O Dia tá passando... Não tem jeito. Acorda, Alice de Cachoeira! Você não é uma Telles e Porto Alcântara; sua estirpe é a dos da Silva, dos Santos, de Jesus. Ralar é sua sina. Pegue já sua pedra e vá logo quebrar coco, viu. Tome rumo, Sem-fututo!
Manda quem pode e obedece quem tem juízo. Desse jeito, cedo à rotina e aos deveres: trabalho. Isso ainda me resta um pouquinho. O consolo fica querendo me aliviar as juntas: tudo passa, até a dor, e mais depois vem a sombra. Não desista, continue firme e forte. Fácil falar; terrível é fazer disso prática em hodierno!
O dia chega ao fim finalmente. Com ele, vem a noite. E é aí que nada pode me segurar: delírios... Sonho mesmo. Devaneio legal em minhas loucuras. Sou quem quero e faço o que desejo. Na realidade da ficção, Rato é rei e Leão come capim sem reclamar!
Vem, Maria, se junta a Rodolfo e vamos fazer a nossa Côte d’Azur aqui mesmo no quintal... hehehehe
E outro dia se aproxima... (risos)


Por Diógenes Pereira. Salvador-ba, 29/05/2011.

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