Tomei banho rápido, vesti roupas num tapa, comi bem ligeiro, escovei dentes num instante, saí picado de casa. Desci o laderão do fimdelinha vuado e subi o da Fazenda Grande no pique! Pronto, já tava no outro fimdelinha a espera do busão. Fiz tudo economizando um tempo retado. Afinal, era O Jogo do Brasil das Oitavas de Final na Copa da África – imperdííível. -– Precisava chegar na Barra antes do espetrácu começar. Eis aí o motivo, a razão, o porquê de tanta pressa!
Como fiz tudo bem ligeirin, acho que tive queda de pressão. Logo que sentei no banco da pracinha, comecei a ficar meio tonto e lerdo. Nem enxergava direito – também, além de míope, porto astigmatismo. Não se deve esperar muito dum indivíduo assim, né? – Sei que a cabeça tava devagarzinha pra variar, com pensamentos bobos, meio que pairado num espaço-tempo maconha. Sabe quando você fica Caetano Veloso na marcha ré num dia de chuva bem forte sem ver nadinha? Pois é, é por aí mesmo... Só sei que via o mundo além dos’ói num outro jeitinho.
Entre uma caminhada e outra pela minha introspectividade buliçosamente maresia, senti uma pancadinha minúscula na coxa esquerda. Foi instintivo. Passei a mão com rapidez e brutalidade a fim de arrancar aquilo que invadiu o território de meu ser (naquele momento privado, restritíssimo). Prak! No chão. Curiosidade logo chamou os’ói. Botei minha vigília completééérrima sobre aquilo que havia me incomodado. Surpresa: não era aquele, e, sim, aquela, a viuvinha.
Bizoiei um bocadin. A bichinha ainda tava viva apesar da agressividade de minha ignorância e da bestialidade de minha intolerância – sem citar a cretinice da conveniência. Babado! – Fiz como criança, peguei logo o animal e coloquei sobre a palmadamão carrasca. A viuvinha me olhava indiferente. Nem passava em si que eu era o responsável de sua desgraça. Ela tentava apenas se recompor da violência sofrida, retomar as forças e sair voando no seu voo suicida. Labor em vão. Assisti, por alguns minutos, como a morte lentamente ia ganhando da vida.
Primeiro, as asas da viuvinha começaram a parar de se mover. Segundo: as patas dela foram perdendo aderência sobre minha palmadamão. Ela ia cambaleando, sem estabilidade até não se aguentar mais em pé. Despencou sem cerimônia. Por fim, as patinhas da coitada começaram a recuar. A viuvinha encolheu todinha pra dentro. Cessou todo e qualquer movimento. O silêncio era o anúncio irrefutável de que não havia mais vida ali. Morte, simplesmente Morte.
Engoli no seco. Assassino! Tinha acabado de matar uma viuvinha inocente. Uma torrente de culpa me invadiu. Fui dominado pela compaixão. Senti tanta pena da criatura. Sentia a dor duma perda. Era menos uma vida que deixava de idiossincratizar a existência. E toda a culpa era minha. Aquele serzinho havia arrebatado mais que minha simpatia. Só me restava a confortante imagem de uma viuvinha livre e a execução de um funeral digno para ela. Lágrimas na consciência...
Sabe aqueles raros momentos em que você fica bem sensível, repleto de benignidade, altruísmo e até amor? Era o dia. O cruzar entre eu e a viuvinha trouxe o fim para ela e o reiniciar pa mim. Como nada é gratuito, creio que o sacrifício do animal foi uma forma através da qual a Ocorrência achou para me abrir os poros de fome por vida outra vez. Triste alegoria em sua beleza terreal.
Por dias, lembrava daquela situação em detalhes e nuances inéditos, entupidos de significados vários. A partir dali, minha história passou a ser contada sobre a marca temporal A.V. e D.V. (Antes da Viuvinha e Depois da Viuvinha). E que outros encontros se façam!
Dió. Salvador, 18 de julho de 2010.
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