quarta-feira, 20 de abril de 2011

NUM TAPA [CRÔNICA]



6:30h da manhã, o celular desperta em vão. Eu já estava acordado. Sobre a cama, revivia os melhores momentos do sonho há pouco interrompido. Foi o corpo que exigia calor alheio. Foi a alma pedindo aconchego. Foi o espírito necessitando de paz. Nada de anormal. Apenas coisas que infalivelmente se repetem entre pessoas ao longo de gerações...
Mesmo durante anos acreditando o contrário, comigo não foi diferente! Chega um momento da vida em que as vontades e os desejos deixam de ser egoístas e passam a estar sedentos por companhia. De certa forma, isso é um grande problema visto que é terrivelmente difícil encontrar alguém realmente especial e interessante, a qual possa tangenciar aquilo que forjamos como ideal. Afinal, não é apenas dividir o tempo com outra pessoa; é provar juntos (e/ou juntas) experiências. Não pode ser qualquer espécime, convenhamos! Tem de ser A Pessoa! E é aí que está o problemão. Por isso, teimava não levantar da cama. Queria provar um pouco mais do Ser maravilhoso que só existia lindo na ficção da mente. Sabia que a realidade de logo-logo seria bem cruel: solidão e carência.
Não dava para adiar por mais tempo. Compromissos me esperavam. Tinha que levantar de uma vez e encarar a rotina massacrante de mais uma distante quarta-feira. De pé, caminho para os fundos. Dia lindo: sol forte, céu azul e muito calor. Detalhe: mês de abril, pleno outono, e nada de chuvas e temperaturas mais amenas. Não é por menos que vivo entre os trópicos, onde as estações se confundem, havendo apenas os meses em que mais chove e aqueles em que menos chove. Sempre há calor – raras exceções existem é claro, principalmente entre junho e julho.
Debruço sobre a pia. 15 minutos é o tempo que gasto para escovar os dentes. Rotina chata. Entre o vai-e-vem da mão preguiçosa segurando a escova de dente e a boca cheia de escuma da pasta dental, os pensamentos dão a volta ao mundo e até chegam a romper limites intergalácticos. Estava recém-acordado, muito sensível ainda devido os prazeres oníricos ainda em réplicas de manifestação. De repente, se aproxima toda sem-noção uma abelha-mosquito. Insistentemente chata, faz voos circulares ao redor de minha cabeça. Parecia que o cheiro da escuma da pasta de dentes, sabor menta, a atraía. Que irritante! Xô mosquito! Nada. Ela era teimosa. Soprei uma, duas, três. Me ignorou linda e soberba em seu voo tranquilo. Por último, dei uma empurrada com o braço. Ela se afastou. Voo meio sem controle e teve o azar de cair na vasilha de margarina cheia de água e detergente.
De cá, sem fazer nada, apenas observava atento e encantado como todo animal sabe nadar instintivamente, menos o humano (como eu). Como um louco que vê beleza em tudo, assistia bestificado o movimentar do pequeno corpo boiando sobre o líquido. Misturas de imagens viam à mente: ora ela voando graciosa e inocente, ora ela desesperadamente nadando. Estava paralisado! Era estranhamente prazeroso aquela cena real misturada a outras (re)produzidas pela memória. E a abelhinha nadava ávida na solução venenosa a fim de salvar sua vida!
Observei mais um pouco o desespero da bichinha. Não demorou muito e a compaixão em face do sofrimento do serzinho e o respeito pela vida logo chegaram. E quando pensei em fazer algo, ela mesma consegue subir numa espécie de ilha que o Bombril fazia de si em meio ao lago que era a vasilha de margarina. A partir daí, dei mais um tempinho para ver o que aconteceria...
Já na segurança incerta da ilha de Bombril, a abelhinha andava de um lado ao outro. Tentava limpar seu compor sem muito sucesso. O líquido era pegajoso e parecia que tinha grudado em suas asas. Pensei rápido. Se nada fizer, ela vai acabar morrendo intoxicada! Então resolvi intervir de uma vez por todas!
Peguei o animal, coloquei sobre o muro e joguei água limpa sobre ele. Tinha a intenção de limpar seu corpo. Temia que o líquido químico o matasse, afinal aprendi na escola que insetos respiram pela pele. Não adiantou. A ajuda veio tarde demais.
A abelhinha ficou meio tonta, lenta e logo tombou para o lado. Após o tombo, suas seis patas se retraíram para dentro num movimento sincronizado e todo o movimento cessou. Foi tudo muito rápido. Em questão de pouquíssimos segundos, o animal, que há pouco voava livre, saudável e feliz em sua realidade, naquele agora, já era apenas um amontoado sem vida de moléculas em átomos. A morte finalmente.
Num tapa, a vida deu vez à morte. Eu assisti, vivenciei tudinho. Sensível, consegui perceber cada passo, cada passagem, cada momento entre o ápice da vida até o apogeu da morte! Concluí que ambas estão muito próximas, de mãos dadas.
Inevitavelmente, fiquei espantado e surpreso como as coisas mudam tão rapidamente de estado. Me escandalizei ao notar o quanto a vida é frágil e fugaz  e a morte é certa e segura.
Como foi com aquela abelha-mosquito, poderia ter sido ou será comigo ou qualquer pessoa querida. Não sabemos do logo depois. Os imprevistos estão aí para todos. Sei parcialmente do exatamente agora, mas nada controlo ou decido do loguinho depois do agora. Incógnitas... Suspensão... Reflexão...
Uma tristeza suave se assentou sobre mim. Lembrei da experiência da Copa do Mundo, quando eu assassinei uma viuvinha lá na Fazenda Grande. E outra vez um amor gigantesco foi suscitado em mim.
Viver é maravilhoso. Respeitar minha vida e a vida de qualquer um é mais que um dever, é uma satisfação. Agora, já guardo dos carinhos em meu coração: a Viuvinha e a Abelha-mosquito. Que Nossa Senhora protetora dos animaizinhos ou o Orixá dos pequeninos (ou qualquer outra Entidade ou Força Maior) olhem por elas, por mim e por todos nós, amém. Afinal, quem somos nós, criaturas, a não ser objetos de um intricado jogo de azar, no qual o inesperado é o esperado.
 
Diógenes Silva. Salvador-ba, 18/04/2011.

Um comentário:

  1. Como sempre ler o que voce escreve significa comprar uma passagem para um lugar desconhecido. Acordei com voce, e foi tao prazeroso que li uma duas tres vezes, pelo calor que percebi no meu corpo, porém suas emoções me deixaram com um vago na minha vida... algo está faltando, nunca procurado porque sempre satisfeito. Precisamos de outras pessoas, existe o Outro? Nao sei... porém a abelhinha me jogo no real, nossas vidas começam e acabam, agora, logo, de repente! Adianta enfrentar sozinho ou, pior (?) se entregar para uma pessoa, por quanto seja a tanto desejada outra metade ou aquele Inteiro que nunca fomos. Nao acredito nisso... é o amor incondicionado, o respeito pela vida, a nossa, dos outros e de todas as criaturas, o amor pela natureza, pelo ar que respiramos e pela terra que pisamos e que nos sustenta. Nao acredito que em cima esta alguém ou algo que nos manda, protege e que desenha nosso destino. Nos o construimos, ou pintamos escolhendo as cores, as nuances... obrigado para me permitir viajar com voce, no seu como no meu mundo!

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