quinta-feira, 10 de junho de 2010

Além de hábito; mais: necessidade [crônica]

Depois duma semana inteira de trabalho estafante, tanto mente quanto corpo reclamam profanidade. Sexta à noite, sagrado reencontro entre amigos e “amigos” entorno da mesa de bar animada e farta de bebidas, em meio das quais reina soberana, quase ditatorialmente, a idolatrada loirinha burramente gelada, preferência de tantos muitos. Raríssimos são os resistentes. E todos unidos em culto aos prazeres da vida!

Entre gole e outro, sangue já está abastecido de álcool e nervos atiçados. Risos, gargalhadas, gritinhos e paqueras estão de sobra. Muita conversa e animação. Nessa, sempre há uns engraçadinhos que resolvem tirar com a cara de todo mundo, às vezes chatos e inconvenientes, fazendo desde piadinhas e contando histórias hilárias até lembrando de algum fato burlesco ou se apegando a características de alguém para lhe desdenhar, sempre em tom debochado e engraçado. Tudo em nome da brincadeira sadia. Somos todos adultos e amigos. Não há por que aborrecimentos – será mesmo?

Sempre na galera animada e exaltada, tem um(a) que insiste, em ato suicida, levar a namorada(o). Aí já viu, né? Problema na certa. A noite tava indo maravilhosamente, até o momento em que um sem noção teve a indecência inconsequente de dizer a garota ao lado que seu namorado já teve um lance com a namorada dele no passado, antes mesmo de ocorrer aquelas uniões de então – detalhe: todos os envolvidos da história estavam na mesa. – A paranóica, inflada, logo perguntou ao companheiro se aquele “absurdo” era verdade. Ele, agindo sob reflexo, habilmente contornou a situação negando tudo com a cara mais cínica; isso com a aquiescência e o total apoio da cúmplice. Perfeito teatro! Nem precisava de tanto. O que houve era passado e não tinha alguma importância naquele agora, nem muito menos foi algo ilícito e hediondo que merecesse punição escabrosa. Exagero de ambos os lados.

O que me puxou atenção, entretanto, não foi o ciúme nem a disputa de propriedade entre os namorados inflamados, mas, sim, a naturalidade como se mente. Dizer a verdade é de longe mais fácil do que tecer a mentira. Para se forjar uma coisa que não aconteceu, é necessário lançar mão de muita habilidade, sensibilidade, inteligência, imaginação, autodomínio, policiamento e maldade. E, mesmo assim, parece que todos nós procuramos o caminho mais difícil, seja por suposta necessidade, medo, conveniência e até mesmo prazer. Todos mentimos muito todos os dias. Não adianta negar ou minimizar esse fato. Ele é mais que hábito, é urgência. Não vivemos sem a mentira – claro, uns mais que outros, mas ninguém escapa de sua sedução.

Mentira e verdade estão lado a lado, mesclando-se e se confundindo. Ambas são discursos e são produzidas para convencer alguém de alguma coisa – e possuem êxito. – O problema é saber o que é o quê. Muitas vezes, mentira está tão atraente que ofusca verdade, e verdade tão na cara e frouxa que torna mentira mais glamurosa. Incômodo é pensar: até que ponto eu, o outro, o mundo e a própria existência pertencem à verdade? – Se é que ela existe de fato. – Será que todos já não somos o (re)contar de mentiras ditas e repetidas como verdades cristalizadas no espaço-tempo ou em agitação perpetuamente metamórfica? Será que somos o que acreditamos ser? Ou não passamos de ilusões sustentadas pelo discurso de verdade cuja mãe é conveniência mesquinha e obscura? Certeza: verdade geralmente incomoda e mentira bem-sucedida exalta o ego. O que escolher? Só o momento e ocasião responderão.


DIÓGENES SILVA

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