quinta-feira, 10 de junho de 2010

POR POUCO [CRÔNICA]

Finalizada a malhação, desci direto para Luiz Eduardo a fim de fazer minha corridinha básica – não posso vacilar com o corpo. Aparência é tudo hoje em dia (risos). Basta ver aí os outdoors, por exemplo, estampando corpos esculturais; forte apelação. – O caminho já estava gravadíssimo na cabeça; sem duvidar, chegaria às margens da avenida de olhos fechados! Rotina é fogo. Corria como sempre, sem me dar conta de que estava correndo, apenas fazia como tarefa a ser executa com toda seriedade e diligência, sem prazer algum. O corpo estava ali, sim, suando, catabolizando em seu metabolismo em máxima pujança. A mente, não; essa estava bem distante, como de costume. Pensava e devaneava à vontade. Fantasias e bobagens não faltavam – aliás, adoro ocupar a mente com coisas bobas; isso ajuda (e muito) a fugir um pouquinho da realidade chata, cansativa e decepcionante.


Nem me dava conta do que estava à minha frente nem muito menos aos lados ou atrás. Tudo era a mesmíssima coisa já conhecida e sem graça: mesma gente correndo e caminhando, cada uma em seu ritmo e na sua indiferença, carros poluidores e apressados, enfim a igual paisagem e movimentos. Nada de novo. Os olhos nem se abalavam mais. Ignorância total. Preferiam mergulhar na ficção que a mente ansiosa e buliçosa construía segundo as conveniências mais – digo – caprichosas.

Com mente bem distraída e corpo já exausto, estava terminando a corridinha quando fui forçado a me desviar, na hora, dum monstruoso buraco na calçada. Me desequilibrei por completo, quase caí na vala à direita. Fui forçado a parar irritadíssimo, xingando o mundo e avaliando a iminente desgraça que quase sobrecairia em mim. Nessa, sem querer, dei de cara com uma das coisas mais lindas que já presenciei: que flor mais bonita era aquela em sua simplicidade encantadora. Escandalizei-me! Que contraste de sofisticação magnânima em meio àquela trivialidade toda do mato circundante. Por tempo incontável fiquei em total suspensão, admirando estupefato tanta beleza numa coisinha tão miúda, verdadeira dádiva da natureza!

Instantâneo, o estado de espírito logo se modificou radicalmente ao ter contato direto com aquela maravilhosa flor! Invadido por paz avassaladora, não sentia o chão sob os pés nem as próprias pernas. Por leve instante, parecia que estava levitando em ar! Que sensação tão gostosa... Inédita. Inigualável. Inesquecível! E só em lembrar que quase perderia aquele esplêndido presente; como provavelmente já tinha perdido tantos por aí, por apenas passar desligado de tudo, sem dar a mínima para os seres simplórios, pequenuchos, esquecidos à margem de toda grandiloquência das coisas que o mundo ultra-moderno disponibiliza em adornos ostentativamente soberbos pros nossos desejos eternamente desejosos.

Foi por pouco! Naquele curto agora, me senti realmente livre e ligado harmonicamente à toda Criação – estava sensivelmente vivo! – Quem sabe não cheguei a raspar a Felicidade? Senão, devo ter chegado bem perto, pois fui invadido por satisfação tão indescritível! Certeza: não tinha só ganho o dia, e, sim meses a frente com aquela lembrança estupenda sempre emergindo da memória; e mais: logrei o sorriso na experiência que nada pode estragar jamais, é parte de mim para todo o sempre!


DIÓGENES SILVA

2 comentários:

  1. Palmas!
    Costumo dizer que "na falta do poder, criar um mundo paralelo conforta". E em meio a essa rotina diária e as coisas ruins que vemos no dia-a-dia é comum alimentarmos devaneios.
    POrém, é nas coisas mais simples que estão, realmente, um passo mais próximo para a felicidade. Nesse caso, a flog.

    Ps.: Muito gostosa a forma como você escreve. A mistura de acontecimentos do cotidiano à mais pura simplicidade de uma ficção. Gostei.

    Diego França.
    http://vidaeletras.tk

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  2. A preciosidade da vida pode, realmente, ser descoberta pelo acaso. Por esse motivo,o homem deve está atento à poesia que vive "à margem de toda grandiloquência".

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