sexta-feira, 11 de junho de 2010

Um dia de exílio [texto abstrato]

Com certeza, hoje não foi mesmo um dia como os outros! Muitas coisas aconteceram e outras tantas, não. Calma, você logo-logo vai entender tudo. Um pouco de suspense faz bem, pelo menos às vezes. Apenas venha me acompanhando nessa conversa. Se desligue de tudo ou quase tudo e se jogue naquilo que quero que seja o nosso rio comum onde vamos tomar um bom banho...


Você há de convir comigo que todos os dias ocorrem problemas, aborrecimentos, frustrações, desastres de magnitudes variadas. Que isso é até normal, né? E achar que eu estou exagerando. Pode até ser a depender de como você encare as coisas e de que forma sua sensibilidade e percepção das coisas esteja agora. Portanto, lhe convido à permissibilidade luxuriosa e libertina, puta mesmo, mas não uma puta qualquer. Uma Puta soberbamente ciente de todo seu potencial e superioridade, jactosa da sua beleza, arrogante de sua sedução e firme na sua malícia devassadora de qualquer máscara! É difícil, né? Não é qualquer um ou uma que pode ser Puta. Sei que muita coisa não é fácil mesmo. Ainda mais ser uma lindíssima Puta, que tem a todos, e ninguém a tem. Liberdade em sua máxima manifestação. Que inveja das Putas! Tudo bem. Não exigirei muito. Não precisa ser, basta estar. Ou se quiser, pode arriscar ser um mendigo ou até um andarilho renunciante. Todos eles são livres, são a manifestação da subversão e o romper das convenções; pelo menos de muitas das quais jamais nossa conveniência ousaria afrontar. Eu ainda prefiro as Putas, sabia? Mas vá lá. Escola qualquer um entre eles e venha. O importante é vir. Combinados?

Tudo pode ser solucionável, sim. Até aquilo que acreditamos não ter jeito. O que acontece é que ainda não é o momento de descobrir como resolvê-lo. Afinal, somos uma espécie dotada de inteligência e inteligência. Podemos nos adaptar a praticamente tudo; superar muitas coisas; aprender e crescer com as experiências. O problema é que muitíssimos se acomodam com o conhecido e temem o novo e o estranho, recepcionando a mudança com certa aversão. Atrofiamento ignorante. Proteção néscia. Limitação retrógada. Restrição definhante e suicidada. Então, pra que esperar? Venha comigo. Vamos juntos nessa.

Visto que o modelo de vida que adotamos tende a nos levar pra automatização, “robotização”, petrificação, violência e renúncia de algo que nos faz Ser Humanos (o amor, amor de si, amor ao outro e amor universal, tornando-nos estúpidos e burros de todos e principalmente de nós mesmo), só nos restas, como saldo, o descontentamento, a insatisfação, a fadiga, a ansiedade monstro, o desespero, a depressão, a frustração e a inevitável tarefa árdua e falida de representar. Fingimos sempre ou quase sempre ser o que não somos: bem sucedidos e felizes. Para isso, nos valemos de muitas coisas, como: seguir os paradigmas da sociedade (tendências, modas, imitar celebridade, frequentar lugares badalados, concordar com “verdades” sem ao menos ter um mínimo de sadia vontade de questionar, calando-nos em nossa modorra resignação). Como compensar a perda de Vida? Consumir, consumir e consumir. Para os muitos que não podem consumir o delicioso bolo de tapioca com recheio de graviola caramelizada e cobertura de cajá, resta apenas empurrar o angu de água e sal mais carne seca com uma jará farta de água ou kissúqui. O que vale é consumir. Ou pelo mesmos desejar consumir. E é nessa que nos tornamos prisioneiros de uma prisão sem muros cheia de selas: o mundinho de frustrações que é cada um de nós.

Uma das selas da prisão sem muros onde residimos é a tecnologia. Quem algum momento consegue ficar alguns estantes sem acessar alguma parafernália tecnológica, que ironicamente teve a razão de sua existência a facilitação de nossa vida, dando-nos mais tempo livre pra fazer o que mais gostamos: nada? O irônico é que quanto mais tecnologia surge, proporcionalmente menos tempos acreditamos ter. Todo mundo só anda com uma frase na boca: não tenho tempo nem pra respirar. Minha vida tá uma loucura. Sempre desejando mais e mais tempo pra fazer e adquirir mais e mais bens, pois a lei é: serei feliz quando eu tiver... Sou o que tenho. Se a vida dela tá uma loucura tendo a ajuda maravilhosa do micro-ondas, carro, avião, ferro-de-passar elétrico, panela de pressão, forno a gás, geladeira, supermercados, celular, notebook, drive-thru, self-service... Imagina a vida das pessoas há 1000 anos? Acho que elas, mesmo com sua rudeza e singeleza, deveriam ser menos estressadas e frustradas, tendo mais tempo pra fazer o que mais gostavam, rindo e amando. Coisas cada vez mais raras de encontrar hoje em dia.

Foi aí que pirei! Cheguei em casa no ápice da tortura e resolvi fazer o que há tanto tempo deseja, e não tinha coragem. Tomei um gostoso banho gelado, comi duas bananas, um goiaba e três deliciosas rodelas de abacaxi acompanhadas de um revigorante suco de jenipapo e me tranquei no quarto. Antes, precisava me certificar de que meu exílio seria completo. Desliguei e desconectei todos os aparelhos eletrônicos, principalmente o telefone fixo, o cel, o computador, a TV, o rádio, desconectei a net e até interrompi o fornecimento de energia da casa. Fechei todas as portas. Só a janela dos fundos ficou aberta, exibindo a beleza diferente do favelão que tava logo ali após meu quintal.

Incomunicável! Estava em minha fortaleza. Coloquei um lençol limpíssimo na cama, botei tapadores de ouvido e uma viseira sobre os olhos e mergulhei no abissal de minha introspectividade ociosamente deliciosa. Delirei como nunca sobre e sob todos meus desejos e sonhos possíveis, impossíveis e até aqueles que fogem a minha compreensão e classificação. Apaguei. Esqueci hora, civilização. Me desconectei por completo de todo o mundo forjado pela maquinação humana e aportei seguro na Paz de apenas inspirar, expirar e metabolizar o extremamente necessário à manutenção do existir. Apenas dormi na morte temporária. Estava em outro espaço-tempo. Quem sabe tive a experiência da morte, uma outra Morte: a morte do humano moldado e modelável? O certo é que deitei ao meio dia e só levantei às 5h do outro dia, a tempo de ver o dia amanhecer com o sol imperador ainda bebê, como nunca tinha visto antes! Gozo terreal, estúpido, bestial mesmo! O melhor: com a sensação maravilhosa de paz, leveza e corpo e mente renovados. Parecia que eu tinha apenas 3 aninhos de idade, sem alguma preocupação ou culpa. Aliás, naquele agora, tinha mesmo. Era só uma criança em iniciação, para qual tudo é novidade, brincadeira, descoberta e prazer. Estava leve. Éramos apenas Eu e Eu mesmo: mais uma criação da Natureza que se harmonizava como toda a Criação que me circundava, atravessava, sustentava e envolvia. Sorria à toa. Um bobo que causaria inveja a qualquer abestalhado, palhaço, lunático. Era uma nova pessoa que tinha acabado de nascer ali... Sensação única, difícil de relatar, só vivenciando pra saber mesmo.

Tá esperando o quê? Já vá ensaiado o seu dia. Ouse. Abuse. Transgrida. Irrompa. Se permita. Com a certeza da experiência, afirmo que você não vai se arrepender. Pirar o cabeção de vez em quando é maravilhoso! Fantástico é ser louco; caso não queira ou não possa, então se jogue no estar pirado. Mandar tudo e todos pra casa da Porra às vezes é aliviante. Tente.

E os passarinhos cantavam, as árvores falavam ao arrochar dos ventos, os cachorros latiam satisfeitos, os gatos espiavam e meu coração batia como nunca, rindo, se comunicando com todos; era a Vida! Sorrir é bom...

Diógenes Silva. 22 de maio de 2010.

Um comentário: