quinta-feira, 10 de junho de 2010

Mais que água e óleo: rico e pobre [crônica]

Faça um experimento: pegue uma garrafa de refrigerante vazia de 1L e acrescente 250 ml de água mais 250 ml de óleo. Tampe a garrafa e em seguida sacuda bem. Resultado: uma mistura nada homogênea que logo se desfará, voltando a ser água (no fundo) e óleo (por cima). O mesmo se dá com pobres e ricos. Eles raramente se misturam. Quando acontece isso, é o mesmo fenômeno que água e óleo. Provas são abundantes. E eu tive mais duas no domingo posterior ao feriado de 1° de maio.


Um domingo como muitos outros. Eu estava bastante entediado. Monotonia, monotonia e monotonia. Sempre os mesmo lugares pra ir e as mesmas coisas pra fazer com as mesmas pessoas de companhia e presença. Aí pensei: preciso fazer algo bem diferente já! Pesquisei na net, perguntei a amigos no MSN, olhei revistas de tendências. Nada outra vez. Quando já abeirava à resignação, vi na TV uma reportagem sobre parques, reservas ecológicas e zoológicos. Não deu outra! Encontrei o passatempo perfeito pr’aquele domingo entediante: visitar o Zoo. De pronto, liguei pra dois amigos bem diferentes entre si: um introspectivo, sereno e culto e o outro extrovertido, agitado e (digamos) deliciosamente abobalhado – adoro! – Marquei com os dois e fomos todos pra lá de busão, já que ninguém tinha carro – oi, que falta faz os amigos riquinhos nessa hora (risos), mas deixamos eles kétus porque para essa aventura eles não serviriam como fermento.

Depois de passar quase uma hora mofando à espera do ônibus que nunca chegava, conseguimos pegar o bendito. Mais 57 minutos de para-para em sinais, pontos de busu, trânsito intenso em pleno domingão, e chegamos ao destino almejado: o Zoológico de Salvador, que fica no tradicional bairro da Ondina. Logo na entrada do Zoo, fiquei espantado com a quantidade de pessoas, sobretudo crianças – pense no terror! –, caminhado pro mesmo lugar. Seria possível que todos estavam indo pra lá também ou era algum evento qualquer grátis que estava ocorrendo por perto? Não demorou e eu obtive a resposta.

Sim, não tinha festa alguma. A multidão de mães e pais, quase a perder a paciência com seus terríveis monstrinhos traquinos, perguntadores de tudo e ávidos pelo consumo de bobagex degustativas e lúdicas, estava indo mesmo ver os animais do parque – vamos lá: a ordem é comer besteira, engordar e lascar com a saúde tanto da gente como dos coitadinhos dos animais (risos). Afinal, raros são os que respeitam o aviso Não alimente os animais selvagens. Que nada, eles também merecem provar das maravilhas de nossa gastronomia (e com ela, terem as perspectivas de doenças cardíacas, diabetes, câncer...). Educação e civilidade beirando o nível zero. Ou não. Depende do referencial, né?

Nunca passaria pela minha cabeça que o Zoo poderia ser tão visitado. Contudo, o maior espanto foi a UNANIMIDADE do público frequentador. Não vi uma pessoa sequer que aparentasse pertencer às classes mais abastadas. Todos eram do povão merrrmo, com direito a cabelo alisado à base de fero, ou chapinha, ou progressiva, bolsas coloridas, tops e shortinhos sensuais e muitos (muito mesmo) óculos de sol, boné e tênis made in camelô. Era a festa da periferia em pleno rincão dos Doutores. E como na Bahia pobreza tem cor, formas e movimentos, todo mundo portava em si a sua porcentagem de pretude desde a textura do cabelo, passando pelos traços do rosto, a cor da pele até a disposição pro riso e pr’alegria deliciosamente espalhafatosa. Verdadeira nuance. Outra beleza. A baianidade pululava ali com efervescência! Lugar magnífico pros antropólogos, filólogos, linguistas, psicólogos e toda gente que gosta da simplicidade e espontaneidade da gente simples, que ri fácil e se anima com tudo, precisando de muito pouco pra gozar.

Terminado o passeio atípico dominical, chegou a noite e com ela a fome. Resolvemos ir direto pr’uma famosa creperia ali mesmos, pertinho. De cara, o choque: ambiente de muito luxo, ostentação, exibição, vaidade. Desfile de grifes, últimas tendências da Civilização Ocidental. Muito burburinho. A paquera rolava solta entre os playboys e as patizinhas. O brasileiro se misturava livre com duas ou três palavras do inglês para cada frase proferida. Os papos eram outros sem dúvidas. Realidade, bem distinta daquela de pouco tempo atrás ali no Zoo. De imediato, só se via os brancos típicos das Terras Brasillis pipocando entre as mesas – depois dizem que não existem brancos na Bahia... Aonde?! Eles são os herdeiros da antiga aristocracia e oligarquia rurais desde a época da fundação de Salvador e da riqueza da cana de açúcar no Nordeste. Os mantenedores do poder em detrimento da massa volumosa dos negros e descendestes abandonas e esquecidos sobre as encostas-manteigas dos morros que derretem a qualquer pancadinha de chuva mais forte. Salvem-se quem puder! A Bahia é aqui. – Os únicos não brancos, ou de cor (como muitos chamam pejorativamente), ou simplesmente pretos, negos ou negão era a gente e os funcionários do estabelecimento. Me senti deslocado completamente. Nós éramos os extraterrestres ali; diferente do ambiente anterior, onde éramos mais um no meio da muvucada. Olhares de reprovação não faltaram contra nós. Se pudessem, arrancavam a gente dali aos murros e chutes. Era como se pensassem Onde já se viu! Que disparate! Não sabem mais onde é o seu lugar não, Gentalha?! E nós apenas erguemos a cabeça, fitamos nosso olhar provocante em cada um e fomos soberbos pra nossa linda mesa bem à vista de todas e todos. Afinal, tínhamos como bancar a afronta – mesmo que isso levasse metade ou mais do salário do mês (risos). Não tinha mais como recuar. Já tava no barril de bosta mesmo, né? O jeito era se afogar por completo. Deus ajuda os necessitados...

E nos afogamos mesmo! Os preços baixos do Zoo eram formiguinhas em face dos astronômicos da Califórnia Soteropolitana. Pedimos três crepizinhos mirados que nos custou o dente queiro! Mal botamos na boca os desgraçados e a barriga pedia mais. Ah, o bolso pirou com o bucho. Tá variando, Doido?! Aonde você vai ter capim pra sustentar esse alazão? Se toque! Procure seu lugar, Vei! Oxe, um coitadinho acostumado com acarajé da esquina querendo dá uma de gaiato no manjar dos bacanas. Vai estudar, Misera! A razão gritou mais alto. Pedimos um refri e depois a conta. Saímos de lá em estado de torpor, em plena suspensão de tanto susto e espanto (risos). Não é pra pião, não! Quem guenta?

Aquilo lá não é nosso, mas pegamos emprestado por algumas horinhas. Ficaram na lembrança e na vontade de fazer outras. Toda experiência é válida. Essa nos valeu porque aflorou a nossa ousadia. Conclusão: pobre e rico não se misturam nunca, mesmo quando estão na mesma vasilha; semelhante a água e óleo. Tanto um quanto o outro se estranham e estranha o mundo maravilhoso ou burlesco do outro. Lá no Zoo, mesmo com tanta algazarra e criança, nos divertimos mais que no ambiente arrogante dos que podem pagar sem se preocupar com o arroz e feijão do mês. É... Já vi: quanto mais singelo e ignorante, menos exigente e frustrado é. Outra dessa? Vixe! Só quando a insanidade pedir e chegar o salário de agosto! Por enquanto, estamos quebrados... (Risos)
Diógenes Pereira. Salvador, 11 de maio de 2010.

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