quinta-feira, 10 de junho de 2010

MALDITA HORA! [CRÔNICA]

Beirava o meio dia. Já estava cansado, com muita fome e morrendo de vontade de ir pra casa. Pra piorar tudo, o calor tava demais! Era o outono veranino de Salvador que se mostrava implacável. Às vezes morar entre os trópicos tá mais pra inferno que paraíso... Aí não tem pião que aguente. Eu apenas sonhava: delicioso banho frio, almoço e cama – delícia! – Mesmo assim, resolvi contrariar tudo em último instante – insanidade! – Em vez de retornar ao lar, passei no shop pra pegar um documento. E foi quando encontrei um velho amigo que há tempo não via. Abraços, sorrisos, trocas de carinho... Que coisa maravilhosa! Ali tinha ganhado o dia! Mas não me contentei. Trocamos e-mail, MSN e cel. Fui além, convidei meu querido amigo para fazer uma visitinha ao arrogante barraco, não sabendo que estava criando a própria masmorra que iria me esfolar vivo, mas nada é gratuito. Se assim foi, assim era pra acontecer, né? Acho que há uma boa razão para aquilo que dizem: há males que vem pra bem. Dúvidas...


Passaram-se dois dias depois do encontro casual do shop. Era a vez da visitinha. Como compromisso tem de ser honrado, me vi doido para realizar todas as alteraçõezinhas urgentes a fim de tornar meu cafofo um lugar mais aprazível. Afinal, não era todo dia que recebia uma pessoa muito estimada. A primeira impressão é a que fica, dizem muitos por aí. Não seria eu naquele dia que ia dar um de contra. Não mesmo! Eu queria que ele levasse a melhor imagem possível de mim e de onde eu moro, custo o que custasse!

Foi correria pura! Mexi aqui, consertei ali, troquei aí. Escondi panela velha, amassada e preta. Joguei pro canto o coador negão. Forrei o sofá com manta bem grossa, fofa e novíssima que comprei ao olho da cara em 10x sem juros no cartão, a fim de disfarçar os rombos que havia por todo o sofá. Dei um grau seguro no banheiro que tava mais pra chiqueiro, sem lavar faz tempo. Inventei de ir numa delicatessen na Pituba e acabei me desgraçando ainda mais. Comprei tanta besteira, cada coisa cara que eu nunca compro nem em festa de fim de ano: de vinho tinto seco a pistache – acredita?! – E o miserável acabou nem triscando em nada. Ô, ódio! Se soubesse que ele ia fazer cu-doce, não gastaria o resto do dinheirinho que ainda tinha. Grana agora só mês que vem. Se soubesse... Ai se soubesse que ele não ia ligar pra porra nenhuma, tinha ido na vendinha da esquina, comprava queijo, presunto, ovo, mortadela, azeitonas, pão de forma ou de cachorro-quente, fazia um sanduichezinho acompanhado de salgadinhos pra comer e refresco em pó ou polpa de fruta e seis latinhas de cerveja pra beber. Pronto, tava tudo sussa. Teria gastado no máximo uma Onça, mas, não, o otário aqui quis dar uma de porreta e acabou levando foi uma marretada daquelas no bolso. Ui como doeu sentir 180 contos sumirem em duas sacolinhas... Só duas, que misera! Pra me consolar um pouco, gozei ao ver a cara do meu cachorro e do meu gato quando foram pegos de surpresa. Banho neles! Aflorei meu lado escrotinho... Quem é que gosta de se arrombar sozinho? Alguém tinha que ser solidário comigo. E é nessas horas que a utilidade do melhor amigo entra em cena (risos).

Me vi doido. Tive que me virar nos 30! O que não pude dar solução, dei um jeitinho: escondi, mascarei, disfarcei. Com criatividade e até mesmo sem-vergonhice (riso), fiz da minha humilde casa um temporário oásis. Ela até que ficou jeitozinha – imaginem a desgraceira! – O que não fazemos pra agradar, né? Loucura... Saí de minha rotina, abandonei a negligência e a tolerância à bagunça e à sujeira ordinárias do espaço e solidárias de conveniência e preguiça, e irrompi a anormalidade: ordem, harmonia e salubridade. Sei o quanto essa operação profilaxia, teatro e circo me custaram. Da arrumação da casa à despedida do amigo, fui o misto de gentleman, Renato Piaba, Fernanda Monte Negro e Daiane dos Santos – simplesmente imbatível! Estva armado até as pontas dos fios do suvaco. Ninguém poderia comigo. – Me transformei. Até eu me assustei com a capacidade de fingir e representar que eu desempenhei. Minha mãe que me criou desde bebezinho não me reconheceria se me visse naquela ocasião. Eu estava livre para realizar todas as maquinações da maldade, e meu convidado estava completamente sujeito a ela (risos). Coitadinho... Sem saber, foi a próxima vítima (risos) – ou será que fui eu a jaca mole na garganta do Bode?

Sem mais, sei no que acredito: minha pretensão foi lograda, sim! Custou caro pra mim, mas aturei aquele desgraçado até o final; e não fiz nenhuma malcriação, não! Fui menino comportado. Segui todas as etiquetas do homem sério, ético e portador de educação incólume. Sorrisos, brincadeirinhas sutis seguidas de risinhos agradáveis, elogios. Falsidade que não faltou. Confesso que no começo da visita eu até tava gostando, mas depois... Hummm... Comecei a enjoar da cara do homem. Não via a hora de ver ele pelas costas e voltar a atmosfera prazerosa de antes. Só que eu não tinha como botar o infeliz pra fora. Tive que esperar ele decidir isso sozinho. E quem disse que ele teve essa luz, meu Deus! Eu aí tive que dar para ele colherzinhas de chá se toque. Primeiro, comecei a abrir a boca. Fiz cara de cansado. Parei de falar, só fazia: unhummm, hammmm. No máximo, um massa, legal, olha. E ele nada. Aí tive que apelar pro velho truque do cel que toca trazendo uma bomba urgente do trabalho. Infalível. Disse que precisava terminar e enviar um relatório pro meu chefe já, caso contrário perderia meu emprego. Aí ele se apressou. Ele pediu desculpas pelo inconveniente da demora e tal. Só balancei a cabeça e dizia: que nada. Quando quiser pode voltar. A casa é sua. Mentira! Praticamente carreguei ele até a porta. Aperto de mão, abraços e palavras carinhosas. Meu último esforço de gentileza. O estoque já tinha acabado (risos). Se ele não fosse naquela hora, não sei o que eu poderia fazer. Bestialidade provavelmente! Vai, ordinário! Que não volte tão cedo, Despacho do Cão!

Maldita hora que inventei de passar no shop e encontrei aquele homem. Amigo afastado e de lembranças só é bom encontrar na rua mezzzmo, trocar meia dúzia de palavras e no mais só umas biritas no bar e tchau. Cada um pra seu canto e até outro dia que não venha tão logo. Trazer pra casa? Nunca mais caio nessa besteira! É só papo chato: lembranças do passado (principalmente aquelas que nos envergonham), perguntinhas inconvenientes sobre como anda sua vida, conselhos que você nem pediu, mas tem que engolir, fora a reparação de sua casa com olhar de desdém. Ah... Sem noção mesmo! Fora o fato de que o sacana está por cima da carne seca e faz questão de mostrar isso pra você escancaradamente, ora contando historias sem tesão algum seguidas de risinhos insuportáveis ora simplesmente roçando o relojão e a correntona na sua cara de infeliz e desgraçado na vida. Não tem outra: inveja e ódio de morte pra dentro! Nunca ia imaginar que uma visitinha ia me fazer tão mal. E jamais ia pensar que o que mais queria naquela hora era mandar ele tomar e ver aquele sacripanta o mais longe possível do alcance de meus olhos! Calma. Por pouco não aportei em tanto. Tive bom senso e me contive a tempo, por pouco. Se demorasse mais um segundinho que fosse... Oxe, já era Felizberto (gargalhadas).

Pois é, veja como criamos inimigos mortais. Deus que me livre de outra dessa. Contudo, entretanto, todavia valeu pra aprender. Não dizem que brasileiro só fecha a porta depois que é roubado? Confirmei mais uma das sabedorias do povão. E ainda tem gente que pensa que cultura popular é bobagem. Aonde? Hoje, estou vacinado. Que venham muito sol e os picolés...

Diógenes Silva. Salvador, 31 de março de 2010.

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