sexta-feira, 11 de junho de 2010

Êh lá em casa! [crônica]

Tinha acabado de sair d’academia. Era pouco mais das oito da manhã duma sexta-feira movimentada na principal avenida do Cabula, a Silveira Martins, quando fui arrancado de meu mundinho introspectivo repleto de pensamentos vários. Me assustei! Por que todos que estavam nos carros na fila interminável do congestionamento olhavam ávidos para trás de mim? Minha curiosidade não resistiu e num giro só me voltei pra trás. Adivinha o que era. O óbvio. Só os homens olhavam com caras, gestos, bocas e piadinhas. Bonita moça, bem feita de corpo, estava caminhando logo atrás de mim, indo pra mesma direção que eu ia. Como sou míope, não pensei duas vezes. Atrasei os passos e deixei que ela passasse por mim pra ter a certeza que tanto burburinho masculino tinha razão.

A bela e formosa moça passou, e que passagem, heim? Se vestia dentro da normalidade baiana para sua idade e saúde: camisetinha regata, calça jeans justa, sandália rasteira e cabelos presos. Andava com firmeza e leveza, dançando seu largo quadril apoiado por grossas coxas. Olhar fixo e face séria. Parecia ignorar os úrus dos machos que não se continham com tanta gostosura. Ela, aparente indiferença a tudo. E isso em vez de inibir os machos, parecia que os instigava mais ainda. A moça bonita não era qualquer uma. Era um troféu que pouquíssimos tiveram, têm ou poderão ter acesso. Pelo menos eu achei isso na hora. Com tanta beleza e seriedade soberba e arrogante, ela deveria ser muito exigente. Ou talvez não. Vai saber. Imagem é tudo, menos o esqueleto da personalidade e o cérebro da conduta. Retornando, imagine como a imaginação e a libido dos caras não estavam. Como as cabeças deles deveriam estar agitadas. Falo das duas: a de cima e a de baixo, porque nessas horas quem domina o homem é a cabeça menor. Pareciam cachorros no cio em bando atrás duma única fêmea, sem noção nem temendo o perigo.

Entretanto, o que me chamou mais atenção não foi a moça em si. A exposição à qual ela foi arremessada por todos em plena via pública foi outdor e vitrine de invejar qualquer publicitário ou Gisele Bündchen. Todo mundo a olhava como se ela fosse algo de outro mundo. E era mesmo! Verdade seja dita: perfeição da natureza como aquela não é fato corriqueiro no dia a dia do povo simples da Ville Du Cabula (pronúncia: viL dI cabILá). Quem perderia a oportunidade de secá-la com os’ói? Os transeuntes, os ocupantes dos carros e ônibus, os passageiros que estavam no ponto do busu, enfim, tudo que é homem olhava mesmo. Ah, mulheres também bisbilhotavam. Era outro olhar é certo, mas olhavam, sim. Acho que você já dá pra imaginar, né? Mulher olhando fixamente outra que seja muito bonita e bastante cobiçada por muitos homens não deve pensar boa coisa... A maioria olhava a moça de canto de olho, medindo a coitada de cima a baixo, com certa ou completa reprovação. No ar, muita inveja, isso sim! Péra! Exagero meu. Também havia aquelas que sentiam na alma o drama da moça. Qual mulher não tem um causo parecido pra contar? Quem de alguma forma não se identificou com toda aquela exposição e até sentiu pena da coitadinha, reprovando a agressividade da libido masculina, pra não falar falta de respeito e consideração ao próximo? Até mesmo as feias já tiveram ou terão a chance de ser showzalizadas algum dia. A paquera gentil é até bem vinda. Qual muié não quer ser desejada, admirada e cobiçada pelos homens. Isso infla o ego, faz a pessoa se sentir bem, viva, chegando em casa radiante, rindo à toa! Mas da forma aqui contada não. Aí já são outros 500. Verdadeiro absurdo, daqueles de cabelo de sovaco de 20 metros de comprimento e ainda pingando suor de CC.

Péra! Ainda não acabou, não. Além dos olhares, a moça foi OBRIGADA a ouvir e escutar, numa educada resignação, cada cantada mais tosca e vil que outra. De gostosa, tesuda, maravilhosa até outras que não convém reproduzir aqui. Foi uma enxurrada de palavras e frases terríveis. Imagina como a bichinha estava por dentro: vergonha, nojo, raiva, ódio, aterrorizada... Tive pena dela. Ela foi mais uma de tantas vítimas por’aí do machismo e da má-educação de nossa sociedade, a qual permite essa afronta e desrespeito da dignidade feminina. Aliás, não só a feminina, não. Com o grito de liberdade das mulheres e a auto-afirmação dos homossexuais, cada vez mais é comum ouvirmos galanteios vindos de muitos lugares e indo para outros tantos jamais imaginados há pouco tempo atrás. Isso que é liberdade, permissibilidade e escrachamento público de um cidadão, o qual é exposto até sua “cueca” e “calcinha”. Se é que os tem, né? Imoralidade, abuso sexual, desmoralização? Que nada! Pra quem olha e/ou comete o abuso, tudo é normal; e pra quem vivencia como vítima, é o completo terror sair de casa e transitar entre os famigerados dominados pelo apetite sexual platônico, acalentado apenas pela masturbação. Ai de muitos se não fosse a pueta, heim?!

Ousadia desmedida e exposição escandalosa trazem mais que vergonha, irrompem nojo, aversão, ódio. Se você é mulher, é mais fácil tentar imaginar como a cabeça da moça deveria estar na hora. Acho que se ela pudesse, evaporaria dali num milésimo de segundo! Absurdo! Por que ainda permitimos coisas como essa? A resposta vem em plural. Não é competência desse texto. Basta lembramos que tudo isso e muito mais fazem parte da nossa cultura infelizmente. O macho domina, mesmo não sendo macho. E é sua conveniência que contribui, em boa parte, para o forjamento da moral e da conduta. Até as mulheres são machistas, umas mais que outras, além das exceções, é claro. Criamos nossos filhos para serem machos e as filhas para serem complacentes a eles e aos seus desejos, vontades, caprichos e movimentos agressivos e promíscuos. Viva ao mundo dos Homens e as delícias que ele proporciona a todos!

Diógenes pereira. Salvador, 21 de maio de 2010.

3 comentários:

  1. Muito bom kra, vc chamou a atenção de forma criativa e engaçada para uma situação que muitas mulheres passam diariamente. Só acho que grande parte delas iriam gostar muito de estar no lugar da moça.

    Laerte Rabelo

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  2. Não há mais o que dizer. O texto já disse muito do que penso e vejo. Aliás, todo mundo, como você mesmo diz, já viveu o presenciou isso. A falta de respeito toma conta sim e se a mulher não dá a mínima para o que dizem (ou finje não ligar) ainda é obrigada a aceitar ser xingada e isso, agora, já não é uma massagem para o ego.

    Escreve mais =D
    Diego França

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  3. hauhauahuahuahua curti

    (Antôni lee)

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