quinta-feira, 10 de junho de 2010

NO ENCALÇO [CONTO CURTO]

Há muito tempo, num lugar remoto, quando a humanidade ainda se iniciava, uma estranha mulher teve gêmeos, os primeiros de todos. Crianças perfeitamente parecidas na aparência, e proporcionalmente divergentes na personalidade. Crescendo juntos, Ádan, sereno, diligente e altruísta, e Nadá, violento, ocioso e mesquinho, viviam em discórdia.

Nadá nunca suportou a ideia de o irmão ser homem admirado e respeitado por todos. Sempre quis ter tudo que era dele. Movido pela inveja, sempre buscava forma de arruinar tudo que Ádan fazia. Também perturbava a paz de todos, com maldades e roubos cada vez mais intensos e cruéis, não respeitando nem poupando crianças, mulheres e idosos. Ninguém aguentava mais as transgressões de Nadá, até mesmo sua mãe, que, mergulhada em desespero, decepção, vergonha e dor, recorreu aflita ao respeitado feiticeiro, Rasac.

Rasac interveio. Chamou em vão atenção de Nadá, que lhe lançou injúrias graves, desafiando-o publicamente. Percebendo que a situação estava indo longe demais e que algo extremo deveria ser feito em urgência, o feiticeiro clamou as Criaturas da Escuridão. De pronto, elas lhe escutaram e tomaram caso daquilo que só a elas cabiam solucionar.
Num início de manhã, quando o primeiro raio de sol caiu sobre terra, praga chegou sólida e certeira. Castigado por sua maldade desenfreada, Nadá foi vertido sombra de Ádan. Ironicamente, ele acabava de ter tudo que sempre aspirava. Preso ao irmão, ia e fazia tudo o que Ádan pretendia, sem hesitar nem opinar, apenas escravo mudo e resignadamente obediente, provando de tudo que a Ádan, seu eterno senhor, conquistava honestamente. E a partir daquele momento, toda criatura movente passou a ter sombra presa a seus pés.

Quando olhar para alguma sombra, entenderá porque ela é tão pobre e submissa, portando em si estigma maléfico; além de reconhecer que há em todo ser um Nadá condenado a lhe seguir sempre, e às vezes lhe tentando com Desejos da Desgraça. Toda alma é união-conflito de Ádan e Nada.
DIÓGENES SILVA

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